Eram 6 dias à espera daquele momento de felicidade. Durante a semana, era certo e sabido: à hora de levantar tínhamos fita."Ó Isabel, já são horas!", dizia o meu pai. E eu, choramingando, respondia "É só mais um bocadinho". Mas ao domingo, era a primeira a saltar da cama. Impelia-me a promessa de um dia especial.
Domingo era quase sempre dia de cinema. E lá íamos os 2, pai e filha, no Fiat 127 vermelho, rumo ao cinema Caleidoscópio. Chegávamos sempre 1 hora antes da sessão infantil começar. O meu pai comprava-me o bilhete, dávamos uma volta num barquinho a remos do lago do Campo Grande. "Já são horas!". Lá íamos os dois de mão dada até à sala de cinema. Sentava-me ansiosa, as luzes apagavam-se... E a magia acontecia. Uns domingos as gargalhadas eram provocadas pelo sarcástico Bugs Bunny ("What's up, Doc?"), outros pelo Daffy Duck com a sua voz sopinha de massa, ou pelo Mr. Magoo, que escapava miraculosamente incólume às situações de perigo impostas pela sua miopia.
Domingo era quase sempre dia de bolo de laranja. Depois do almoço, começava a contagem decrescente para o segundo momento alto do dia. Lá pelas 15h, a minha mãe chamava-me. "Isabel, vamos fazer o bolo!". Pesar os ingredientes, separar as gemas das claras, peneirar a farinha, lá ia eu cumprindo as minhas tarefas, sob o olhar encorajador da minha mãe. "Bate até fazer bolhinhas", dizia."Já está, mãe!". O bolo ia para o forno e saía de lá bem quentinho, pronto a receber a calda de laranja, pronto a ser cortado em quadrados, pronto a ser comido. Mas, mais do que comê-lo, a minha maior recompensa era rapar a tigela com o "salazar" e lamber os restos de massa crua.
Hoje é domingo, não fui ao Caleidoscópio, porque lá já não há sessões infantis, nem passa filme algum, aliás... Mas fiz o bolo, exactamente na mesma forma rectangular de alumínio, saiu meio torto, tal como acontece há mais de 35 anos, e soube-me bem, como sempre.
Ingredientes:
150 g de farinha
150 g de açúcar
125 g de manteiga
3 ovos
2 colheres de chá de fermento
2 laranjas
2 colheres de sopa de açúcar para a calda
Separam-se as gemas das claras. Bate-se o açúcar com as gemas até ficar uma mistura esbranquiçada. Junta-se a manteiga amolecida (antigamente, amolecia-se em banho-maria, agora é mais prático usar o microondas ;-)). Bate-se bem. Junta-se a raspa e o sumo de 1 laranja. Mistura-se a farinha peneirada com o fermento e, por fim, envolvem-se as claras em castelo. Verte-se a massa para uma forma rectangular, ou quadrada, previamente untada com manteiga e farinha. Leva-se ao forno pré-aquecido 180º até ficar cozido. Entretanto, faz-se a calda com o sumo de 1 laranja e 2 colheres de sopa de açúcar, levando ao lume até dissolver o açúcar. Com o bolo ainda quente, pica-se com um palito e deita-se a calda de açúcar. Cortar o bolo aos quadrados e servir.
Este post foi escrito no âmbito do desafio "Conte-me a sua receita", promovido pela RTP e pelo blogue Cinco Quartos de Laranja, na semana em que foi lançado o livro Conta-me como foi - As receitas da família Lopes. Não poderia deixar de participar, quer pela amizade que me liga à Laranjinha, quer para homenagear uma das melhores séries portuguesas de sempre, Conta-me como foi.
Adoro bolo de laranja e este faz-me lembrar o bolo da minha avó. Mais do que o sabor o maravilhoso são mesmo as recordações, não é?
ResponderEliminarSão memórias destas que tornam o sabor de um bolo de laranja tão especial, não é?
ResponderEliminarQuando era miúda tb adorava rapar a taça com o "salazar", fica limpinha! :)
Beijinhos
Pipoka, houve filme na noite anterior he he A mim também me custava muito levantar durante os dias da semana mas ao fim de semana era a primeira a acordar :) Bolo de laranja, continua a ser muito bom!
ResponderEliminarNada mais especial que rapar uma taça com o salazar...
ResponderEliminarFiquei com curiosidade de provar este bolo. Obrigada.
beijinhos
rita
Muito bonita a tua história afinal a vida é um conjunto de recordações,bjokinhas
ResponderEliminarO sabor do bolo conjugado com o sabor dessas memórias tornaram, sem dúvida, este Domingo num dia perfeito!
ResponderEliminarbeijocas grandes grandes
Ao ler o teu post esbocei um enorme sorriso, porque a mim ainda me custa levantar de manhã, também andei de barco no lago do Campo Grande e também comi muitos bolos de laranja feitos pela minha mãe, mas bom mesmo era ter a tigela para rapar no final.
ResponderEliminarBeijocas
Olá,
ResponderEliminarGostei muito da história e do bolinho, fiquei cheia de vontade de voltar a meter-me naqueles barquinhos a remos. Andar à volta do lago, havia uma parte, mais para o fundo que tinha um ponte? Ou era uma zona mais estreita? Não vou lá há anos e anos. Sobre o Salazar, olhem confesso que ainda adoro rapar a tigela e comer a massa crua, e o meu marido tb. Assim que ouve a porta do forno vem logo para a cozinha, "já há alguma coisa para mim?"
um abraço e boa semana.
Um bolo de laranja muito especial, pois com ele vem as memórias de um domingo muito bem passado.
ResponderEliminarAinda hoje me custa levantar também.
Bjs
É muito bom, ainda hoje a minha tia faz esse bolo. Mas naquela época rapar a tigela fosse o bolo que fosse era a melhor parte.
ResponderEliminarBjs
Como eu adoro estes bolos húmidos e então com sabor a laranja, uma delicia!
ResponderEliminarAs recordações são o melhor que temos...
Um beijinho
Um bolo cheio de memórias. São os que melhor sabem...tal como rapar a taça, deixando-a limpinha, limpinha...hummm... e rapar os pedaços do bolo acabado de cozer que ficaram agarrados à forma na hora de desenformar? Que saudades boas desses tempos.
ResponderEliminarBeijinhos
Memórias, doce memórias..Quem não as tem ? Lembrei também de momentos assim da minha infância. AInda bem que ficam as receitas para nos transportar para esses tempos.
ResponderEliminarAproveito para convida-la para visitar meu recem-inaugurado blog. Faça-nos uma visitinha e dê sua valiosa opinião.
Bj,
Lylia
com tantas boas memorias este bolo so pode ser delicioso. bela participaçao
ResponderEliminarbeijinhos
Querida Pipoka,
ResponderEliminargostei muito de ler o teu texto. Senti-me parte da tua história, quase como se te estivesse a ver de mão dada com o teu pai, a rir no cinema, as tuas mãozinhas a mexer a massa e no final o teu sorriso feliz de volta dos restos do Salazar.
Muito obrigada pela tua participação.
Um beijinho.
As memórias doces são as melhores :-)
ResponderEliminarGostei deste regresso ao passado.
Beijos
Teresa
Crespita,
ResponderEliminarHá coisas que nunca se esquecem e que nos sabe bem recordar.
Essa doce lembrança prova que são os pequenos gestos que realmente importam... e o resto são laranjas ;)
Uma delícia (tudo)
jkas
A Bruxinha ;)
Que belos Domingos, Dona Pipoka! Não posso dizer que não perceba a tua vontade de saltar da cama. O bolo da mãe é sempre especial e este tem tudo para ser perfeito. Sobretudo se for Domingo. Já estou em contagem decrescente par o próximo. ;)
ResponderEliminarBeijos, minha linda!